A questão da crítica textual tem como pano de fundo um apelo aos métodos científicos como forma de validar a Palavra de Deus, uma vez que rejeita ou põe em segundo plano o agir sobrenatural.

Num contexto mais amplo, a partir do século XVII, após o Iluminismo, houve um crescimento do racionalismo pelo mundo, que conduziu muitos a heresias como arianismo e socianismo no século XVIII (na Europa principalmente) e ao liberalismo teológico do século XIX. Ainda neste contexto deste século, temos o crescimento do cientificismo, ou seja, uma tendência intelectual de se enxergar a realidade através da ciência, com seu método de busca por evidências empíricas (submetidas ao método científico e naturalista). Nesse período, seguindo justamente essa tendência racionalista, temos ainda o surgimento do alto criticismo, ou seja, o método histórico-crítico de se interpretar a Bíblia a partir de pressupostos totalmente seculares. Aqueles que se valiam e valem desse método percebem a Bíblia não como um livro inspirado, mas mitológico em grande parte, escrito por homens sem qualquer inspiração divina, negando a autoria dos livros, principalmente os veterotestamentários, e colocando-os como fruto de literatura posterior e fantástica, esvaziando a sobrenaturalidade das profecias e ações divinas.

Num contexto reformado, essa perspectiva racionalista sobre a Bíblia começou adentrar nos seminários, como no Princeton Theological Seminary, através de Charles Augustus Briggs. No final do século ele lança uma obra questionando a autoria dos livros do Pentateuco, bem como sua inerrância e infalibilidade, carregando as premissas de que a Bíblia era um livro humano, não inspirado, e negando, ou colocando em baixa importância, as crenças cristãs fundamentais, como a literalidade da ressurreição, o nascimento virginal, a canonicidade das Escrituras, além do próprio criacionismo, dando crédito ao evolucionismo de Darwin e tentando trazer isso para a religião já que, para ele, Gênesis era um livro mitológico. Isso leva a um cisma no seminário, em que a ala liberal e academicista (cientificista) ganhou. Aqueles que combateram esse liberalismo, defendendo a ortodoxia cristã e uma visão conservadora, como B. B. Warfield, fundaram então o Westminster Theological Seminary.

Já no século XX o cientificismo sai do campo das ciências naturais para querer dominar sobre todos outros campos de conhecimento (como a filosofia, religião, etc) como o único método de se interpretar a realidade, ganhando o pensamento na academia. A partir daí, passou-se a ter a visão de que a religião é contrária à ciência, diferente do que se pensava antes, conduzindo a um esforço por se tirar Deus da ciência, dos métodos, dos pressupostos e da academia em geral.

Em resposta ao crescimento do liberalismo religioso, tivemos, início do século XX, o surgimento do fundamentalismo, por meio de um grupo de cristãos que se levantaram em defesa da ortodoxia, os quais escreveram diversos panfletos, na década de 1910, sobre as doutrinas cristãs e os distribuíram para diversas entidades e lideranças cristãs, os quais foram conhecidos como The Fundamentals. Com o surgimento do fundamentalismo cristão, esse avanço do liberalismo e muitas outras coisas anti-cristãs foi barrado nas igrejas. 

Foi daí então que começaram a atacar pela academia, tentando entrar nos seminários ortodoxos, por meio do cientificismo. Assim, a partir da formação de lideranças cristãs, como teólogos e pastores e outros professores e diretores de seminários, a comunidade cristã poderia ser amplamente influenciada.

Assim, mesmo apesar da luta direta contra o liberalismo, certos “resquícios” desse cientificismo permaneceram, junto à crescente valorização do método científico no meio acadêmico de forma geral, e desprezo pelas demais fontes de conhecimento da epistemologia (filosofia, teologia).

B. B. Warfield, por exemplo, apesar de ter sido considerado como um fundamentalista, conservador, por sua luta contra o liberalismo, acabou prestando um grande desserviço no que tange à questão do texto da Palavra de Deus. Numa tentativa de conciliar “os dois lados”, afirmava (ao contrário do que diziam os liberais) que a Bíblia é, sim, inspirada por Deus em sua totalidade; contudo, essa palavra inspirada estava nos manuscritos originais, que se perderam. Warfield valentemente defendeu a inspiração e inerrância das Escrituras, porém falhou em defender a preservação integral desta palavra perfeita. Ele dizia, então, que a crítica textual teria sido a forma como Deus se valeu para preservar Sua Palavra. Ou seja, exclui-se o sobrenatural para dar espaço ao naturalismo – isso não é muito diferente daqueles que tentam conciliar um evolucionismo teísta, que excluem o sobrenatural da criação conforme descrita em Gênesis, para dar espaço ao evolucionismo natural). Quantos teólogos foram grandemente influenciados por essa visão a partir de B. B. Warfield!                                                             

Assim, para ser reconhecido como “científico”, precisa ser, necessariamente, cientificista. Baseado nesses parâmetros colocados na academia, começou-se a se querer validar, de forma naturalista e cientificista, a fé cristã no seminário. Por exemplo, ‘pode-se afirmar que a Bíblia é a Palavra de Deus preservada porque podemos recuperar o texto perdido de forma científica’. Há uma falsa validação, um esforço por mostrar que a Bíblia, a fé cristã, etc., pode ser validada dentro dessa ciência (ou seja, do cientificismo, que é a imposição dos métodos usados nas ciências naturais sobre outras áreas, como a religião). 

Dentro dessa academia cientificista, o Texto Crítico pode ser validade até certo ponto, ao adotar pressupostos naturalistas, enquanto o Texto Recebido não passa na validação dessa academia cientificista porque seus pressupostos são sobrenaturais. Assim, muitos aderem à crítica textual moderna pensando que assim estão fazendo um serviço, que é mostrar para o mundo que a Palavra de Deus, mesmo dentro da ciência (cientificismo), é válida. 

Um exemplo de como isso acontece mesmo com os seminários, se dá quando se busca o reconhecimento pelo MEC, ou seja, a aprovação secular para algo que não é secular. Queriam parecer mais científicos.

Dessa forma, a academia não promove aquilo que é baseado em pressupostos cristãos, se não o que condiz com os pressupostos cientificistas. Isso é muito fácil de se notar, ao tratar da discussão entre o texto original da Palavra de Deus, quando os teólogos/acadêmicos mais reconhecidos tratam à base da carteirada (a despeito de argumentos vazios), desqualificando qualquer outro que contra-argumente contra ele, por mais bem fundamentado que esteja, apenas porque é alguém que não goza dos prestígios acadêmicos hoje, numa tática conhecida como falácia ad verecundiam ou de apelo à autoridade. Artigos são promovidos daqueles que seguem essa linha de pensamento dominante, enquanto teólogos brilhantes são propositalmente ignorados, por serem tratados, pejorativamente, como fundamentalistas.

No Brasil, a Igreja desfrutava da tradução de Almeida, feita a partir do Texto Tradicional, muito embora a cada nova versão já estivesse recebendo introduções do Texto Crítico, a Almeida Revista e Corrigida (ARC), amplamente conhecida e utilizada, a qual era publicada pela Sociedade Bíblica Trinitariana (TBS), a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira (SBBE, que logo mais se tornou aqui a Sociedade Bíblica do Brasil – SBB) e, mais tarde, pela Imprensa Bíblica Brasileira (IBB). 

No início do século XX, a SBBE, junto à Sociedade Bíblica Americana (SBA) lançou a Tradução Brasileira, uma versão baseada no Texto Crítico. É fato que naquela época ainda havia muito comum a prática de memorizar versículos bíblicos e as pessoas logo perceberam os problemas nesse texto, motivo por que foi rejeitada pela Igreja e saiu de circulação (até ser relançada recentemente, numa nova tentativa). Aliás, parece que somente quem gostou dela foi a seita dos assim chamados “Testemunhas de Jeová”.

Contudo, após a II Guerra Mundial, por dificuldades financeiras, a TBS deixou de publicar as bíblias no Brasil, confiando que as demais editoras permaneceriam publicando as traduções fieis ao Texto Recebido, as quais ficaram com os direitos exclusivos de publicação da ARC.

A partir do surgimento da SBB, no final da década de 40, esta se propôs a uma empreitada de atualizar a linguagem da ARC, que há muito permanecia com palavras obsoletas. O presidente da sociedade, pr. Sinésyo Lyra, fez parte da comissão de revisão e atualização desta versão, até o momento em que ele percebeu que o trabalho, na verdade, consistia em não somente atualizar a linguagem da Bíblia, mas também em substituir o Texto Recebido pelo Texto Crítico. Sentindo-se enganado ele abandonou a comissão e o trabalho. Mais tarde, a tradução Almeida Revista e Atualizada (RA) seria lançada, em mais um tentativa de introduzir o Texto Crítico na igreja brasileira, rejeitado outrora, porém agora com um recurso de marketing muito bom: utilizando-se do nome “Almeida”, tão popular e aclamado pelo povo brasileiro, muito embora se valesse de um texto diferente do que Almeida utilizara.

Nesse período, havia evidências que levaram a crer que seria retirada de circulação no Brasil a Bíblia Almeida Revista e Corrigida, a qual nem seria impressa nem se concederia os direitos dela para alguma outra editora, de modo que permanecesse apenas a opção de uma tradução baseada no Texto Crítico, a RA.

Diante disso, o recém chegado ao Brasil Thomas Gilmer, juntando-se com o pr. Sinésyo Lyra e outros líderes evangélicos, como Josias Baraúna Filho e Silas Evangelista de Oliveira, recorreram à ajuda da TBS, a qual retornou ao Brasil, fundando a Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, em 1968, com o objetivo de revisar e publicar a Bíblia de Almeida, fiel ao original. 

Infelizmente, esse trabalho durou mais tempo do que deveria, e a tradução fiel ao texto original da SBTB foi lançado somente após 1994, dando uma margem muito grande para o avanço do Texto Crítico no Brasil. Felizmente, a partir da instalação da SBTB no Brasil e a proposta de lançar uma Bíblia fiel ao Texto Tradicional, ainda que demorada, fez com que (talvez, por uma questão mercadológica), a ARC publicada pela SBB e IBB não fosse retirada do mercado. O caso é que essa tradução permaneceu com muitos arcaísmos por muito tempo, ao passo que as versões do Texto Crítico foram tratadas diferente, como se percebe, por exemplo, com a tradução Revista e Atualizada (RA) e o lançamento da paráfrase Bíblia na Linguagem de Hoje (BLH).

Hoje em dia, os novos seminaristas que têm ingressado na academia teológica, possuem diante de si nomes com títulos e currículos extensos, dando carteiradas e impondo seu “conhecimento científico” a respeito do texto da palavra de Deus. A carga de matéria que recebem durante todo o período de estudos é extensa, e o conhecimento que possui sobre esse assunto, geralmente, não é muito grande; é muito mais fácil simplesmente receber aquilo que os “especialistas” da área estão afirmando. Após graduados, aqueles que ingressam no ministério certamente possuem muitas ocupações e preocupações. Certamente muitos desses estudantes, teólogos e ministros são pessoas piedosas mas que não possuem um conhecimento sobre a realidade desses fatos, os quais esperam receber tal conhecimento justamente dentro de uma academia que, infelizmente, foi tomada em grande parte pelo cientificismo nesta área. A tendência natural é que essas coisas sejam meramente replicadas. Em outras palavras, muitos não percebem o todo do problema, ou não percebem as consequências deste problema, ou seja, de onde isso surgiu e aonde isso está levando a Igreja e o mundo (são ignorantes); ao passo que há sim aqueles que percebem o problema e o ignoram ou o promovem propositalmente (são desonestos e liberais). Para somar, ainda, a procura das pessoas por aquilo que mais as agrade ou se adapte às suas preferências pessoais aumentou muito, tornando o mercado de venda de traduções tornou-se um ramo muito lucrativo. Versões despontam por toda parte, cada uma trazendo em seu prefácio que traz as descobertas mais recentes e o melhor texto para o seu leitor, cada uma alegando ser fiel aos originais – mas quais originais?

Mais uma vez, a ala da religião que afirma que há somente um caminho a se seguir, um único texto fiel aos originais, é desprezada.